Por Aline M. Martins

Nos anos 50, havia grandes expectativas para o futuro da Humanidade. Carros voadores, viagens interespaciais, aparelhos de comunicação sem fio, viagens instantâneas através de pontos distantes do globo; a tecnologia prometia revolucionar o estilo de vida dos indivíduos. Filmes como O Dia Em Que A Terra Parou e seriados como A Guerra dos Mundos prediziam uma nova era que prometia inaugurar um capítulo novo na história da Humanidade, um marcado pela mudança de costumes, de pensamento, enfim, uma nova cultura nascida de descobertas e inovações que faziam fervilhar a imaginação dos intelectuais, tais como filósofos, cientistas e escritores, e alimentavam a expectativa por um futuro melhor no seio das populações globais, onde os grandes males de toda sociedade como a fome, a pobreza e a desigualdade seriam erradicados pelas incríveis invenções dos maiores gênios da época.

Nos encontramos hoje vivendo este futuro. E a realidade não parece traduzir as previsões alardeadas no passado.

O séc. XXI é marcado por uma profunda desigualdade socioeconômica e a emergência de um novo conflito quiçá de proporções mundiais. A sombra de uma possível guerra mundial estende seus longos braços e encobre um mundo ainda cambaleante após um longo período de crise desencadeado por um vírus de origem dúbia, que, para a incredulidade das mentes mais privilegiadas, encontrou-se protagonizando debates situados em meio ao turbilhão de polarização política que arrematou até mesmo centros de formação intelectual e acadêmica, pilares que deveriam servir à ciência, nobre instituição idealmente impérvia a efemérides políticas e ideológicas e às intempéries sociais, mas na realidade maculada por ingerências políticas indevidas e extremismos ideológicos.

O mundo parece acometido por uma loucura e histeria sem explicação. Os grandes avanços na formação intelectual dos brasileiros parecem empalidecer perante debates eivados de fanatismo e pouca ou nenhuma objetividade e senso crítico para discernir ideologia de realidade. A pandemia acirrou ânimos já exaltados por um mundo em crise, tanto moral quanto econômica, em que lideranças provavam-se incompetentes para lidar com os espectros da recessão, do desemprego e da crise migratória, esta responsável pelo colapso da seguridade social no mundo desenvolvido. Os formuladores de política (policymakers) só faziam crescer cada vez mais o ceticismo das populações globais em relação à democracia ocidental tal como ela é constituída hoje. Em meio ao clima de descrença, cresceu o sentimento de desejo por lideranças tidas como “fortes”. Incutiu-se na mente da população a ideia de “um retorno aos valores tradicionais”, personificados por lideranças populistas e carismáticas. E foi neste cenário que emergiu a mais nova grave pandemia mundial: a do COVID-19.

Dois anos se passaram desde o começo da pandemia. O Brasil não escapou ileso aos seus efeitos. Com a eclosão da guerra em território ucraniano e suas consequências para a economia brasileira, o sentimento de descrença enraizou-se ainda mais no espírito do povo brasileiro. Alunos recusam-se a retornar às instituições de ensino tendo passado um longo período sem aulas presenciais. Desordens mentais como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático atormentam uma população já combalida pelas usuais dificuldades enfrentadas numa sociedade desigual. E na guerra de informações – e contra informações-, o brasileiro encontra-se vulnerável a influências que dubitavelmente visam seu interesse ou bem-estar. Assim como os refugiados ucranianos, encontramo-nos à deriva em um mar de tribulações em que armadilhas camuflam-se de porto seguro.

As crises migratória, do COVID-19 e da guerra ucraniana tomaram o Brasil e o mundo de assalto. Seguramente não era este o futuro imaginado pelos esperançosos escritores de mais de meio século atrás. Mas apesar de viverem em um mundo recém-saído de dois conflitos de proporções mundiais, cidades devastadas pela guerra, populações abandonadas por seus governos e economias fragilizadas, estes homens e mulheres tiveram o espírito de encontrar razões para crer em um futuro melhor. Tal como eles, desafios não nos faltam daqui para frente. São muitos os obstáculos na estrada da recuperação socioeconômica e da superação de males endêmicos como a corrupção e a desigualdade social, balizada num passado escravocrata. Porém, fica a indagação: qual a diferença de nós, brasileiros, nascidos e criados em um período entre-crises para os pensadores e escritores geniais de sua época, imergidos em um dos períodos mais conturbados da história da Humanidade, e que, apesar de todos os pesares, ousaram sonhar com um melhor amanhã?

Talvez a resposta seja a chave para o brasileiro reencontrar seu espírito de luta e superar os desafios apresentados em um mundo pós-pandemia.