Eliel Vieira Santos Junior
Resumo
O presente estudo busca analisar a nova lei que introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a figura típica do sequestro relâmpago, demonstrando suas consequências nos processos, em decorrência da exceção ao princípio “tempus regit actum” que dentre outros norteiam nossa legislação penal.
Palavras-chave: Sequestro Relâmpago. “Lex Mitior”. “Novatio legis in mellius”.
Introdução
A “Novatio Legis In Mellius” lei nova que beneficie o acusado de qualquer modo, traz algumas consequências para nosso ordenamento jurídico, tendo em vista que se beneficiar o acusado, ela retroagira. É o que aconteceu com o § 3° ao artigo 158 do Código Penal, inserido pela Lei 11.923 de 17 Abril de 2009, que criou a figura típica do sequestro relâmpago, antes enquadrado como: Roubo com restrição da vitima ou Extorsão Mediante Sequestro. A nova lei é benéfica, no que tange à pena mais branda e por não constar o seu tipo penal, do rol taxativo da lei de crimes hediondos, não sofrendo assim suas consequências.
2 Princípio do “Tempus Regit Actum” do Código Penal
O Código Penal Brasileiro é regido, dentre outros princípios, pelo “tempus regit actum”, ou seja, a lei em vigor a época do fato/conduta é a que deve ser aplicada no caso concreto.
Como execeção a esse princípio encontramos a “Novatio Legis In Mellius”, que trata da entrada em vigor de uma nova lei mais benéfica ao acusado, essa lei
que de qualquer modo o beneficie, mesmo depois de praticado o fato, deverá ser aplicada deixando de lado a regra geral do código penal por ser mais benigna.
3 Da Novatio Legis in Mellius ou Lex Mitior
A “Novatio legis in mellius ou Lex Mitior” encontra respaldo no artigo 5°, XL da Constituição Federal, bem como no artigo 2°, Parágrafo Único do Código Penal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
[…]
Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. (grifo nosso).
A nova lei, ao ser aplicada, traz como consequência a retroatividade da lei, alcançando processos em andamento em qualquer grau de jurisdição, bem como os processos com transito em julgado da sentença condenatória.
Quando o processo já se encontrar com o trânsito em julgado e o acusado estiver cumprindo pena, caberá ao Juiz da execução à aplicação da lei mais benéfica ao acusado, como reza a súmula 611 STF:
“TRANSITADA EM JULGADO A SENTENÇA CONDENATÓRIA, COMPETE AO JUÍZO DAS EXECUÇÕES A APLICAÇÃO DE LEI MAIS BENIGNA.”
Em poucas palavras o ilustre Doutrinador Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 100) conceituou a “Novatio Legis in Mellius”:
Em suma, a lei posterior que de qualquer modo favorecer o réu é uma novatio legis in mellius. A expressão “qualquer modo” é para indicar qualquer outra circunstancia que não seja a abolitio criminis (art. 2°, caput).
4 A Nova Lei n° 11.923/09 e a Tipificação do Sequestro Relâmpago
Feitas essas considerações iniciais, podemos analisar a nova Lei 11.923 que em 17 Abril de 2009 acrescentou o § 3° ao artigo 158 do Código Penal in verbis:
Art. 158 Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
[…]
§3° – Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vitima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) à 12 (doze anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no artigo 159 §§ 2° e 3°, respectivamente.
A referida Lei trouxe para o ordenamento Jurídico brasileiro o já conhecido “sequestro relâmpago”. Tendo em vista a falta de um tipo penal exclusivo e analisando o “modus operandi” do agente que cometia tal restrição à vítima, o delito era enquadrado nos tipos penais Extorsão Mediante Sequestro (artigo 159 do Código Penal com a pena de 8 a 15 anos de prisão) ou no Roubo com Restrição da Vítima (artigo 157, parágrafo 2º, inciso V, com pena de 4 a 10 anos de prisão, acrescida de 1/3 até metade), ambos do Código Penal.
Essa diferença de tipificação por parte dos aplicadores da lei e da doutrina agora chega ao fim com o atual §3° do artigo 158 do Código Penal.
Da nova redação do §3° do artigo 158 do Código Penal que traz a pena de reclusão de 6 a 12 anos, além de multa, fica claro que à nova lei é muito mais favorável ao réu, já que anteriormente tinha uma repressão maior tipificada nos artigos 159 ou 157 §2°, inciso V (que tem o acréscimo de 1/3 até a metade), ambos do Código Penal. Haverá nesses casos a retroatividade da nova lei, em virtude de ser mais favorável ao réu que esta sendo processado ou foi condenado em um dos dois artigos citados acima.
4.1 Entendimento dos tribunais
Começa a se firmar o entendimento da retroatividade de lei mais benigna nos
tribunais, como já atentou o Tribunal do Paraná na seguinte decisão:
EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO – CONJUNTO PROBATÓRIO HARMÔNICO A ENSEJAR À CONDENAÇÃO DO RÉU – PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE RECEPTAÇÃO – INVIABILIDADE – CRIME DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO É CRIME COMPLEXO – AÇÃO POSITIVA E ESPECÍFICA DO RÉU DE OBTER A VANTAGEM EXIGIDA PELOS DEMAIS AGENTES – MANTIDA CONDENAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA – PARTICIPAÇÃO ATIVA NO CRIME. DE OFÍCIO APLICAÇÃO DA LEI 11.923/2009, QUE ENTROU EM VIGOR NO DIA 17.04.2009, REDUZINDO A PENA. SEQUESTRO RELÂMPAGO. ARTIGO 158, § 3.º DO CP. LEI MAIS BENÉFICA RETROATIVIDADE. REDUÇÃO DA PENA. APELO DESPROVIDO. (TJPR – 3ª C. Criminal – AC 0546184-7 – Londrina – Rel.: Juiz Subst. 2º G. Jefferson Alberto Johnsson – Unânime – J. 30.04.2009).
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo também manifestou se a favor no Embargos de Declaração n° 0021157-45.2001:
Acórdão. Alegação de omissão. Acolhimento. Lei 11.923/09 que acrescentou o § 3º ao artigo 158 do Código Penal – Aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benigna – Artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal – Acolhimento dos embargos declaratórios para retificar a capitulação imposta e reduzir a pena do embargante.
5 Do Beneficio ao Acusado
A referida lei, além de prever pena menor que as adotadas anteriormente, agora permite anistia, graça, indulto e fiança, o que não era permitido, tendo em vista que sofriam o fenômeno da hediondez com previsão no rol taxativo da lei de crimes hediondos Lei 8.072/90 em seu artigo 1° inciso IV (artigo 159 “caput” do Código Penal).
A nova lei trouxe ainda, beneficio na progressão de regime que antes exigia cumprimento de dois quintos da pena se primário e três quintos se reincidente por tratar se de crime hediondo, com previsão no artigo 2°, §2° da Lei 8.072/92. Basta agora o cumprimento de um sexto da pena para a progressão de acordo com o artigo 112 da Lei de Execução Penal:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento
carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
Cabe ressaltar ainda que permanece hediondo a figura tipificada em Extorsão qualificada pela morte (artigo 158, §2°), como prevê o artigo 1°, inciso III e IV da Lei 8.072/92:
[…]
III – extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º);
IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º).
Conclusão
Ainda são poucas as manifestações dos tribunais a respeito da “novatio legis” do §3° do artigo 158 do Código Penal, mas para consagrar a efetiva retroatividade da lei mais benéfica, faz-se necessário fazer uso das sábias palavras do Ilustre Doutrinador Flavio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 100):
Novatio legis in mellius ocorre quando, a lei posterior, mantendo a incriminação do fato, torna menos grave a situação do réu. Exemplos: a) lei que comina pena menos rigorosa; b) lei que comina circunstancias atenuantes; c) lei que cria causas extintivas da antijuricidade, culpabilidade e punibilidade; d) lei que facilita a obtenção do sursis ou livramento condicional; e) lei que transforma o crime em simples contravenção, etc.
Em virtude do já exposto, fica claro que a nova lei beneficia o acusado em crimes de Roubo com Restrição da vitima e Extorsão Mediante Sequestro, seja por a pena tipificada ser mais branda ou por não sofrer os fenômenos da lei de Crimes Hediondos.
Assim sendo, deverá a referida lei retroagir e alcançar os casos já julgados bem como os que estão em andamento no sistema judiciário brasileiro.
Referências
BARROS, Flavio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2010.
BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal.
Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Rio de Janeiro, RJ, 07 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 30 set. 2011.
______. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a lei de execução penal. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 11 jul. 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm>. Acesso em: 30 set. 2011.
BRASIL. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 25 jul. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8072.htm>. Acesso em: 30 set. 2011.
______. Lei nº 11.923, de 17 de abril de 2009. Acrescenta parágrafo ao art. 158 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para tipificar o chamado “sequestro relâmpago”. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, 17 de abril de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11923.htm>. Acesso em: 30 set. 2011.
______. Supremo Tribunal Federal. Súmulas. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_701_800>. Acesso em: 30 set. 2011.
LEX mitior. Wikipédia – a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Lex_mitior>. Acesso em: 30 set. 2011.
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