Por Eduardo Nunomura
O documento, assinado por oito países da região, com mais de 100 itens não define prazos ou indicadores para que os objetivos sugeridos sejam alcançados, tampouco traz um veto à exploração de petróleo na região (Foto: Ricardo Stuckert/PR).
A Declaração de Belém, assinada por líderes dos países amazônicos nesta terça-feira (8), apresentou mais de 100 objetivos a serem implementados na Amazônia. Nenhum deles estabelece prazos ou define indicadores a serem alcançados para se chegar a um “desenvolvimento sustentável, harmônico, integral e inclusivo”. Ficaram de fora metas de desmatamento zero em comum ou uma sinalização de veto à exploração de petróleo na região. O encontro da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) foi histórico muito mais pela reunião, que há 14 anos não ocorria, e menos pelos resultados que poderá trazer no curto e necessário espaço de tempo.
O documento, assinado por oito países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) no primeiro dia da Cúpula da Amazônia, tem seu valor como o início da construção de uma agenda coletiva dos países amazônicos para os desafios que a região enfrenta: o desmatamento desenfreado, a perda da biodiversidade, a pressão sobre as comunidades locais, as ameaças às culturas indígenas e a necessidade de adotar um modelo de desenvolvimento que considere tanto a prosperidade econômica quanto a preservação ambiental. Problemas que parecem ser brasileiros, mas se estendem em maior ou menor intensidade nos países vizinhos.
Em tom crítico, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, afirmou que via com preocupação a exploração de petróleo na foz da Amazônia, como sugerido pela Petrobrás, que chegou a pleitear o início de pesquisas sobre essa viabilidade – mas foi impedida pelo Ibama. “E aqui surge um conflito étnico enorme, especialmente para forças progressistas que deveriam estar sintonizadas com a ciência. O planeta agora deveria deixar de usar o petróleo, o carvão e o gás”, disse. Petro, primeiro presidente de esquerda da Colômbia, lembrou que os governos de direita têm “um fácil escape, que é o negacionismo. Negam a ciência. Para os progressistas, é muito difícil. Gera então outro tipo de negacionismo: falar em transições”.
A Declaração de Belém não cita a exploração petrolífera na Amazônia, mas diz, de forma indireta: “Iniciar um diálogo entre os Estados Partes sobre a sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos na Região Amazônica, no marco da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e de suas políticas nacionais soberanas”.
O documento explicita a preocupação do garimpo ilegal, ao mencionar o “foco na exposição a mercúrio e outras substâncias perigosas derivadas de atividade mineral/mineração de pequena e grande escala, em particular quando povos indígenas e comunidades locais e tradicionais são afetados”, assim como procurar “fortalecer a cooperação regional e internacional no combate à mineração ilegal, ao tráfico ilícito e a outros crimes relacionados”.
Marcha dos Povos da Terra
Nas ruas de Belém, onde ocorre a Cúpula da Amazônia, movimentos sociais, ONGs e indígenas realizaram na manhã desta terça-feira a “Marcha dos Povos da Terra pela Amazônia”. Eles caminharam, com faixas de protesto, em direção ao Hangar, onde os chefes de Estados dos países da panamazônia estão reunidos. Uma das cobranças dos organizadores da marcha é pressionar os líderes a se comprometerem com a não-exploração de petróleo na região amazônica.
Foi o Brasil que travou a possibilidade de adotar um veto à exploração de petróleo no documento final, impondo sua posição diante dos demais países. Em discussões diplomáticas, cada país luta por seus interesses. O governo brasileiro tentou emplacar o objetivo de zerar o desmatamento ilegal do bioma até 2030, promessa de campanha de Lula, mas não foi incluído por falta de consenso entre os países. A Bolívia se opõe a essa medida. No texto, ficou a expressão genérica “alcançar o desmatamento zero na região”, sem a menção a um prazo. Mas, por outro lado, inclui a criação da Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento para “promover a cooperação regional no combate ao desmatamento e de evitar que a Amazônia atinja o ponto de não retorno”.
Sobre as mudanças climáticas, o grupo que assina a Declaração de Belém quer criar um “diálogo” para definir o tratamento a ser dado para o tema junto a fóruns internacionais, assim como estabelecer uma agenda para as adaptações climáticas. O documento, composto de 113 itens, “exorta” os países desenvolvidos a cumprir a promessa de “US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para apoiar as necessidades dos países em desenvolvimento”, cobrando uma “nova meta coletiva quantificada para o financiamento climático, a ser concluída até 2024”.
De maneira ampla, a Declaração de Belém afirma estar comprometida para fazer com que a cooperação, o desenvolvimento sustentável e a preservação cultural estejam no centro das discussões e das políticas públicas no uso da floresta. “Nunca foi tão urgente retomar e ampliar a cooperação. Os desafios de nossa era e as oportunidades que surgem demanda ação conjunta. Precisaremos conciliar a proteção ambiental com a inclusão social, o fomento à ciência tecnológica e à inovação, o estímulo à economia local, o combate ao crime internacional e a valorização dos povos indígenas e de comunidades tradicionais e seus conhecimentos ancestrais”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ciceroneou o encontro.
A retomada da OTCA é promissora ao propor a criação de um Protocolo Adicional ao Tratado, designando a “Reunião de Presidentes” como um órgão de tomada de decisões. Na prática, pode significar a criação de um bloco mais coeso e com maior poder de influência junto a fóruns internacionais, como a própria COP (a Conferência das Partes, da ONU). No horizonte mais largo, pode até levar à formulação de políticas conjuntas. Essa abordagem colaborativa visa reforçar a influência dos países amazônicos e a proteger seus interesses nos grandes debates globais.
Em mais de um item, a Declaração de Belém se preocupa em deixar claro que o desenvolvimento da Amazônia tem de ocorrer pelo tripé ciência, educação e inovação. Há a proposta de criar um Painel Intergovernamental Técnico-Científico, que deverá funcionar como uma plataforma para o diálogo entre especialistas e comunidades locais, sempre na expectativa de reduzir o desmatamento na região e preservar a biodiversidade.
A inovação tecnológica também terá um papel central na busca por soluções sustentáveis, com a criação de uma Rede de Inovação e Difusão Tecnológica. Por meio dele, os países acreditam que poderão desenvolver e disseminar “tecnologias que apoiem a economia verde e práticas de desenvolvimento de baixo impacto”.
Em outra parte, a Declaração de Belém compreende a importância das mulheres na região, criando o Observatório das Mulheres Rurais. Muitas atividades agrícolas e florestais são sustentáveis justamente por contarem com mulheres à frente delas. No âmbito urbano, o documento prevê que a criação do Foro de Cidades Amazônicas, composto de autoridades locais que se esforçarão para implementar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, promovendo urbanização responsável e inclusão social.
Leia a íntegra da Declaração de Belém aqui.
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